sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Fundação Cultural Palmares lança edital para apoio a projetos culturais

A Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério daCultura, realiza seleção pública para apoio a projetos culturais com o lançamento do edital Idéias Criativas para 20 de novembro - Dia Nacional da Consciência Negra 2009, com o tema Renascimento Africano Fesman. O objetivo é selecionar idéias criativas em todo o país, que tragam em seu conteúdo, por meio de atividades culturais, subsídios para a promoção da Lei nº 10.639/03, tendo como público alvo crianças e jovens em idade escolar. A lei, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afrobrasileira, prevê o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. O período de inscrição é de 31 de julho a 14 de setembro e os projetos deverão ser enviados somente por meio dos serviços de postagem da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Leia o Manual de Orientação. A relação dos projetos inscritos será divulgada no site da FCP.

Informações:
(61) 3424-0113 ou pelo email edital20denovembro2 009@palmares. gov.br.
Saiba mais.
(Fonte: Ascom FCP/MinC)

Homem negro afirma que foi agredido e humilhado em Osasco...

...Ele esperava a família que fazia compras em um supermercado.
As dores diminuíram, mas nesta quarta-feira (19) o segurança e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana recebeu uma má noticia do dentista: as agressões afetaram o maxilar. Ele conta que foi espancado por seguranças do supermercado Carrefour, em Osasco, na Grande São Paulo, ao ser confundido com um assaltante. Segundo ele, os agentes acharam que Santana queria roubar uma moto e o próprio carro onde estava.
Veja site do Jornal Nacional < http://jornalnacional.globo.com/ >
A polícia de São Paulo abriu inquérito para investigar o caso. E a direção do supermercado afastou da função o segurança responsável pela agressão, que é funcionário de uma empresa terceirizada.
O caso ocorreu no dia 7 deste mês. Santana estava dentro de sua EcoSport no estacionamento do mercado porque a filha dormia no banco de trás. Enquanto isso, a mulher fazia compras. Segundo ele, um homem armado se aproximou. Era um segurança do Carrefour, mas a vítima afirma que ele não estava de uniforme e não se identificou. Os dois lutaram e outros seguranças apareceram. Santana foi levado para uma sala e espancado.

Ele disse que eu estava roubando carro e me bateu. "Pelo amor de Deus, o carro é meu", teria dito o homem, enquanto era agredido. "Ele não queria saber não", relatou a vítima. Ele disse que as agressões só pararam com a chegada de um policial militar, mas, mesmo assim, continuou a ser humilhado.

"Você tem cara de quem tem passagem (pela polícia). No mínimo, umas 3 passagens. Tua cara não nega , negão", afirmou Santana, reproduzindo o que teria dito um dos homens. A Polícia Militar disse, em nota, que não compactua com nenhum tipo de discriminação e que instaurou um procedimento para averiguar o fato.

Também em nota, o grupo Carrefour diz que repudia qualquer forma de agressão ou desrespeito. E que vai colaborar com a polícia, além de esperar que os responsáveis sejam "rigorosamente punidos".

Santana disse que foi vítima de racismo e pretende entrar na Justiça. A mulher dele tem outra preocupação: o futuro dos filhos. "Pode acontecer com eles também porque eles são negros. E isso me dói. Acho que o negro não pode viver, não pode ter os seus bens conquistados e me deixa muito ferida", contou Maria dos Remédios, chorando.
Cliente negro diz que foi confundido com ladrão e agredido em hipermercado
Polícia registrou ocorrência dia 7, em Osasco, na Grande SP.
Direção do hipermercado diz que acompanha investigação.
O segurança e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, de 39 anos, foi agredido por seguranças do supermercado Carrefour, em Osasco, na Grande São Paulo. Ele foi confundido com ladrões e considerado suspeito de roubar seu próprio carro. O caso foi registrado no 5º Distrito Policial da cidade.
Nos próximos dias, seu advogado, Dojival Vieira, vai ajuizar uma ação de indenização por danos morais contra o supermercado e o Estado. "Esse caso é emblemático e precisa ser punido com vigor para que outras situações de discriminação racial não venham a ocorrer." Santana é negro. O Carrefour afirmou que acompanha a investigação policial.
Segundo o cliente, enquanto a família fazia compras, na noite do dia 7, ele esperava no carro com a filha de 2 anos. O alarme de uma moto disparou e ele viu dois homens correndo. O dono da moto chegou em seguida. Santana desceu do carro e achou que os bandidos tinham voltado. Um desses homens sacou uma arma e Santana correu. No chão, chegaram a lutar até que um terceiro homem, que se identificou como segurança da loja, retirou a arma e pisou na cabeça de Santana. Segundo ele, cinco homens, que não vestiam uniformes, o levaram até um quartinho onde o espancaram.

"Eles falaram que eu ia roubar o EcoSport e a moto. Quando disse que o carro era meu, batiam mais." Quando três policiais militares chegaram ao local, Santana explicou que seus documentos estavam no carro. "Eles riam e diziam: 'Sua cara não nega. Você deve ter pelo menos três passagens pela polícia'." De tanto insistir, foram até o automóvel, onde sua família o esperava. Após conferir a documentação, os policiais foram embora. "Já passei outros constrangimentos com esse carro. Acho que vou vender", diz ele. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Direita brasileira se articula contra as políticas de cotas raciais

No último dia 20 de julho o Partido dos Democratas (DEM) ingressou com uma Medida cautelar no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo, em caráter liminar, a imediata suspensão da matrícula dos estudantes da UNB aprovados pelo sistema de cotas raciais. Embora o STF, no último dia 31 de julho, tenha negado o pedido liminar, o mérito final da ação ainda será julgado. Uma derrota colocará em risco a política de reserva de vagas para afrodescendentes implementadas em mais de 80 universidades brasileiras”.

Por Luiz Carlos Paixão da Rocha

Companheiras e companheiros, vamos reagir!Estou escrevendo este e-mail para chamar a atenção para a ofensiva da direita brasileira contra a implementação das políticas afirmativas em nosso país. O último exemplo disto foi a ação do partido dos Democratas (DEM), protocolada no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão das matrículas dos estudantes negros e negras aprovados pelas cotas raciais na Universidade de Brasília (UNB).

A ação protocolada no STF pelo DEM em 20 de julho faz parte da estratégia de setores conservadores da sociedade brasileira para acabar com o sistema de reserva de vagas para afrodescendentes implementadas em várias instituições de ensino superior. Embora o STF tenha negado o pedido em 31 de julho, o mérito da ação ainda será julgado. Uma derrota colocará abaixo não só o sistema de cotas raciais da UNB, mas de todo o país. Colocarão em xeque todos os avanços conquistados pelo movimento social negro no último período.

A estratégia da negação das cotas raciais

O DEM apresentou a medida no STF no momento em que cresce no congresso nacional a ofensiva contra a aprovação do Projeto de Lei 180/08, que propõe a instituição do sistema de cotas sociais e raciais para o ingresso em todas as universidades públicas e escolas de nível médio federais do país.

Os argumentos contrários ao sistema de reserva de vagas para negros e negras são velhos conhecidos nossos. Estes têm como ponto de partida a completa negação do quadro estrutural de exclusão racial presente no país. Bradam em alto e bom som que o problema do acesso ao ensino superior não é racial é apenas social.

Precisamos ficar atentos, o alvo agora não é o sistema de cotas. O alvo é o sistema de cotas raciais. Para negá-las, cinicamente, setores da elite - responsáveis pela construção do quadro de desigualdades presentes no país -, se utilizam do discurso da desigualdade social, do fortalecimento da educação pública, entre outros.

Cotas sociais x cotas raciais

É importante ressaltar também que o debate da implementação das cotas sociais ganha visibilidade no momento em que as reivindicações pela adoção de políticas de ações afirmativas, efetuadas pelo movimento social negro começam a serem discutidas pelo Estado brasileiro. Assim, na maioria das instituições que já implantaram o sistema de reserva de vagas para afrodescendentes para ingresso no ensino superior, estas vieram acompanhadas das cotas sociais. Exemplo disto, as Universidades Federal do Paraná e a Universidade Estadual de Londrina, que destinaram 40% de reserva de vagas para ingresso dos afrodescendentes (20%) e alunos oriundos das escolas públicas (20%).

É bom frisar que não se trata aqui de negar as desigualdades sociais presentes no país e, tampouco, negar o quadro de desigualdade racial visível na estrutura social brasileira. O atual sistema econômico que vivemos produz e reproduz cotidianamente um perverso quadro de desigualdades. O que salta aos olhos é o fato da defesa da implantação das cotas sociais estar sendo efetuada por setores do país como forma de negar a importância das cotais raciais para a democratização da sociedade brasileira.

Esta visão equivocada está presente em toda a argumentação efetuada na ação judicial patrocinada pelo DEM. E a mesma tem contaminado alguns setores da sociedade brasileira. Aqui no Paraná, recentemente, a Universidade Estadual de Maringá adotou o sistema, mas apenas para vagas sociais.

Reagir é lutar pela aprovação do PL 180/08

Precisamos reagir! A aprovação do Projeto de Lei 180/08 que propõe a instituição do sistema de cotas sociais e raciais para o ingresso em todas as universidades públicas e escolas de nível médio federais do país, sem sombra de dúvidas trará uma enorme contribuição para a luta contra as desigualdades sociais e raciais presentes em nossa realidade. No entanto, se não mobilizarmos vamos ter uma derrota no congresso nacional.

Esta estratégia de negação da reserva de vagas para afrodescendentes pode ser percebida na fala do Senador Demóstenes Torres (DEM-GO) sobre o projeto de Lei das cotas raciais. “É uma proposta discriminatória. Não podemos ser definidos pela cor da pele". A advogada da ação dos Democratas, a procuradora Roberta Fragoso Kaufmann argumenta que ‘não é a cor da pele o que impede as pessoas de chegarem à universidade, mas a péssima qualidade das escolas que os pobres brasile iros, sejam brancos, pretos ou pardos, conseguem freqüentar...’. Se o impedimento não é a cor da pele, cotas raciais não fazem sentido”.

Assim, para contribuir com nossa luta precisamos demonstrar nossa insatisfação com a posição do DEM e, ao mesmo tempo, solicitar apoio dos senadores e deputados federais do Paraná a aprovação do PL 180/08.

Vamos nos unir e lutar pela manutenção dos nossos direitos!

Em relação ao STF, acompanho a sugestão do Dr. Antonio Leandro Silva encaminhada por e-mail a vários (as) militantes negros e negras do Paraná. E fundamental que entidades do movimento negro do Paraná protocolem “Pedidos de Intervenção na Defensoria Publica da União para atuar como Amicus Curie no processo e em defesa da manutenção dos Programas de Cotas Raciais.”

Em relação ao DEM, precisamos demonstrar nossa indignação.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

A Educação Escolar Quilombola deve levar em consideração, os seguintes princípios:

1. Uma educação escolar que fortaleça e participe da luta pela regularização dos territórios tradicionais;


2. Que seja presente e participativa na vida da comunidade, reconhecendo e respeitando todos os espaços onde as crianças e jovens aprendem e se educam, como na roça, na pescaria, nas festas tradicionais, nas reuniões comunitárias, nos terreiros das casas das pessoas mais velhas;


3. Que reafirme a história de resistência dos quilombos, a identidade étnica, os saberes e o jeito próprio de ensinar e aprender;


4. Que os professores e as professoras sejam quilombolas da própria comunidade, engajados na luta e pesquisadores da sua história;


5. Que seja garantida formação específica e diferenciada para os professores e as professoras quilombolas;


6. Que o currículo seja elaborado pela própria comunidade garantindo os conteúdos específicos de cada quilombo e a interculturalidade.


7. Que eduque para o cuidado com o meio ambiente e com o patrimônio cultural presente nos territórios quilombolas;


8. Que esteja voltada para o desenvolvimento sustentável das comunidades, para que a juventude permaneça em seu território tradicional garantindo a continuidade da sua existência e de suas lutas;


9. Que o modelo de gestão e funcionamento seja de acordo com o jeito de ser e de organizar de cada quilombo;


10. Que a merenda seja de acordo com a cultura alimentar de cada quilombo;


11. Que tenha material didático escrito e ilustrado pelo povo quilombola.


12. Estrutura física adequada ao jeito de ser e a geografia de cada quilombo, observando o cuidado com o meio ambiente;


13. Que seja garantida uma legislação específica para educação escolar quilombola, que assegure esse direito e principalmente que seja elaborada com a participação do movimento quilombola;


14. Que seja garantida a participação dos quilombolas através de suas representações próprias em todos os espaços deliberativos, consultivos e de monitoramento da política pública e de demais temas de seus interesses;


15. Que qualquer organização seja governamental ou não governamental respeite a sua autonomia e os consulte sobre qualquer projeto, ação, evento que afete diretamente a vida dos quilombolas.



Baseado na Carta de Princípios da Educação Quilombola de Pernambuco.

PALAVRA CANTADA/ MÚSICA: ÁFRICA.

Quem não sabe onde é o Sudão

saberá

A Nigéria o Gabão

Ruanda

Quem não sabe onde fica o Senegal,

A Tanzânia e a Namíbia,

Guiné Bissau?

Todo o povo do Japão

Saberá

De onde veio o

Leão de Judá

Alemanha e Canadá

Saberão

Toda a gente da Bahia

sabe já

De onde vem a melodia

Do ijexá

o sol nasce todo dia

Vem de lá

Entre o Oriente e ocidente

Onde fica?

Qual a origem de gente?

Onde fica?

África fica no meio do mapa do mundo do

atlas da vida

Áfricas ficam na África que fica lá e aqui

África ficará

Basta atravessar o mar

pra chegar

Onde cresce o Baobá

pra saber

Da floresta de Oxalá

E malê

Do deserto de alah

Do ilê

Banto mulçumanamagô

Yorubá

AS COTAS PARA NEGROS: PORQUE MUDEI DE OPINIÃO.

William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF),

especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ), professor

e escritor, caucasiano e de olhos azuis.

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.

Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.

Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO,
pré-vestibular para negros e carentes.

Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.

Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.

Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.

Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.

Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.

Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.

Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.

Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.

Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.

Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.

E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."

Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia

Pesquisa indica que há 99,3% de preconceito no ambiente escolar

18/06/2009

Flávia Albuquerque

Repórter da Agência Brasil

Pesquisa realizada em 501 escolas públicas de todo o país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas demonstram algum tipo de preconceito etnorracial, socioeconômico, com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração, orientação sexual ou territorial. O estudo, divulgado hoje (17), em São Paulo, e pioneiro no Brasil, foi realizado com o objetivo de dar subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças.

De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito etnorracial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial.

Segundo o coordenador do trabalho, José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os atores. “Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizada e preocupante”, disse.

Com relação à intensidade do preconceito, o estudo avaliou que 38,2% têm mais preconceito com relação ao gênero e que isso parte do homem com relação à mulher. Com relação à geração (idade), 37,9% têm preconceito principalmente com relação aos idosos. A intensidade da atitude preconceituosa chega a 32,4% quando se trata de portadores de necessidades especiais e fica em 26,1% com relação à orientação sexual, 25,1% quando se trata de diferença socioeconômica, 22,9% etnorracial e 20,65% territorial.

O estudo indica ainda que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum grupo social. Os deficientes mentais são os que sofrem maior preconceito com 98,9% das pessoas com algum nível de distância social, seguido pelos homossexuais com 98,9%, ciganos (97,3%), deficientes físicos (96,2%), índios (95,3%), pobres (94,9%), moradores da periferia ou de favelas (94,6%), moradores da área rural (91,1%) e negros (90,9%).

De acordo com o diretor de Estudos e Acompanhamentos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC), Daniel Chimenez, o resultado desse estudo será analisado detalhadamente uma vez que o MEC já demonstrou preocupação com o tema e com a necessidade de melhorar o ambiente escolar e de ampliar ações de respeito à diversidade.

“No MEC já existem iniciativas nesse sentido [de respeito à diversidade], o que precisa é melhorar, aprofundar, alargar esse tipo de abordagem, talvez até para a criação de um possível curso de ambiente escolar que reflita todas essas temáticas em uma abordagem integrada”, disse.