sexta-feira, 25 de setembro de 2009

SEPPIR publica resoluções da II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial

Todas as propostas aprovadas durante a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (II CONAPIR) estão reunidas em um documento publicado na página eletrônica da SEPPIR nesta quarta-feira (23 de setembro).

Para o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, a publicação coroa o evento que foi pautado pelo pluralismo e espírito democrático: "O documento confere não apenas transparência para as propostas aprovadas, mas é um importante instrumento em favor da implementação das políticas de igualdade racial".

Na publicação estão reunidas 761 resoluções distribuídas de acordo com os seguintes temas: controle social (19), cultura (33), educação (101), política internacional (35), política nacional (29), saúde (115), segurança e justiça (197), terra (72) e trabalho (160).

Balanço - A II CONAPIR reuniu mais de 8 mil pessoas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, durante os quatro dias do evento realizado de 25 a 28 de junho. Do total, mais de 1.200 participantes eram delegados eleitos em encontros nos 27 estados e no Distrito Federal. Assim, a preparação para a II CONAPIR envolveu milhares de pessoas em conferências estaduais, municipais e regionais de igualdade social. Além disso, Brasília foi sede, nos dias 6 e 7 de junho, da Plenária Nacional de Comunidades Tradicionais, quando foram escolhidos os delegados para defender propostas de interesse específico de comunidades quilombolas, de terreiros, povos indígenas e de etnia cigana.

A responsabilidade de analisar as moções ficou com o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), órgão de caráter consultivo integrante da estrutura básica da SEPPIR. Em reunião extraordinária realizada em agosto, o CNPIR analisou todas as 84 moções apresentadas durante a II CONAPIR.

Para consultar o documento, clique aqui.

Comunicação Social da SEPPIR /PR

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Iniciado os trabalhos do Comitê para monitoramento da política para igualdade racial

"O PLANAPIR coloca a questão da promoção da igualdade dentro do sistema de planejamento do Governo Federal. Essa é a diferença do Brasil de ontem e do Brasil de hoje". A declaração foi feita pelo ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, na manhã desta quarta-feira (16/9) durante solenidade de instauração do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR). O evento marcou a posse dos 18 representantes do governo federal e da sociedade civil que passam a integrar o novo organismo que já teve sua primeira reunião técnica.

O secretário adjunto da SEPPIR, Eloi Ferreira Araújo, também coordenador do Comitê, apresentou um histórico do PLANAPIR: desde o início de sua construção, em 2005, a partir de 11 eixos traçados na I Conferência Nacional de Promoção de Igualdade Racial, até a criação do Grupo de Trabalho Interministerial e, finalmente, a publicação do decreto nº 6872, de 4 de junho, que definiu o Plano."Com este Comitê, vamos criar os pilares da institucionalização da política de igualdade racial". Eloi advertiu que, de início, o desafio do Comitê é formatar uma modelagem de monitoramento das ações do governo para a redução das desigualdades que vitimam negros, povos indígenas, ciganos e outros segmentos sociais em função da origem étnica.

A representante do Ministério da Saúde Ana Costa ressaltou a importância estratégica do Comitê. "Nós temos um grande desafio de articular políticas e setores do governo. A tendência das nossas instituições é se fecharem e realizarem trabalho isolado. Daí a importância deste Comitê".

O secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gerson Luiz de Almeida, destacou a necessidade da ampliação das políticas afirmativas, ainda que elas não sejam consensuais na sociedade brasileira: "São um processo de disputa sobre visões de mundo e sobre como consolidar uma democracia que sirva para todos os setores sociais".

Entre os presentes à solenidade, estava o deputado Carlos Santana (PT-RJ), presidente da Frente Parlamentar de Promoção da Igualdade Racial, além de representantes das agências do sistema ONU e gestores do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR).

Sob coordenação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Comitê terá atuação transversal no Governo e a participação dos seguintes ministérios: Secretaria-Geral da Presidência da República; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; Ministério da Educação; Ministério da Justiça; Ministério da Saúde; Ministério das Cidades; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Cultura; Ministério de Minas e Energia.

Para conhecer o PLANAPIR na íntegra, acesse o decreto nº 6872/2009 .

Comunicação Social da SEPPIR /PR

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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

STF marca audiência sobre cotas nas universidades.

STF marca audiência sobre cotas nas universidades .Os movimentos sociais terão a oportunidade de se manifestar sobre a instituição de cotas para o ingresso nas universidades. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski convocou audiência pública para ouvir a sociedade civil sobre o assunto. O ministro é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, proposta pelo partido Democratas (DEM), que questiona a criação de cotas para negros na Universidade de Brasília (UnB).


A audiência será de 3 a 5 de março de 2010, mas os interessados -especialistas em matéria de políticas de ação afirmativa no ensino superior- devem requerer a participação no período de 1º a 30 de outubro, pelo endereço eletrônico acaoafirmativa@stf.jus.br . Na requisição, precisam explicar os pontos que pretendem defender e indicar o nome de seu representante. A relação dos inscritos habilitados será publicada no portal eletrônico do STF a partir de 13 de novembro.

Histórico - No último dia 31 de julho, o presidente do STF, Gilmar Mendes, negou o pedido de liminar ajuizado pelo partido DEM para suspender a adoção das cotas pela UnB. "Embora a importância dos temas em debate mereça a apreciação célere desta Suprema Corte, neste momento não há urgência a justificar a concessão da medida liminar", afirmou Mendes. O caso será julgado no mérito pelo plenário da Corte.

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Cotas: uma nova consciência acadêmica, artigo de José Jorge de Carvalho

"A África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje"

José Jorge de Carvalho é professor da UnB (Universidade de Brasília) e coordenador do INCT de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa. Artigo publicado na "Folha de SP":

Enquanto cresce o número de universidades que aprovam autonomamente as cotas, a reação a esse movimento de dimensão nacional pela inclusão de negros e indígenas vai se tornando cada vez mais ideológica, exasperada e descolada da realidade concreta do ensino superior brasileiro.

Em um artigo recente ("O dom de iludir", "Tendências/Debates" , 9/9), Demétrio Magnoli citou fragmento de um parágrafo de conferência que proferi na Universidade Federal de Goiás em 2001. Mas ele suprimiu a frase seguinte às que citou - justamente o que daria sentido ao meu argumento, que, da forma como foi utilizado, pareceu absurdo.

Sua transcrição truncada fez desaparecer a crítica irônica que eu fazia ao tipo de ação afirmativa de uma faculdade do Estado de Maine, nos EUA. O tema da conferência era acusar a carência, naquele ano de 2001, de políticas de inclusão no ensino superior brasileiro, fossem de corte liberal ou socialista.

Magnoli ocultou dos leitores o que eu disse em seguida: "Quero contrastar isso com o que acontece no Brasil. Como estamos nós? A Universidade de Brasília tem 1.400 professores e apenas 14 são negros". É 1% de professores negros na UnB.

E quantos são os docentes negros da USP? Dados recentes indicam que, de 5.434 docentes, os negros não passam de 40. Pelo censo de identificação que fiz em 2005, a porcentagem média de docentes negros no conjunto das seis mais poderosas universidades públicas brasileiras (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.

Essa porcentagem pode ser considerada insignificante do ponto de vista estatístico e não deverá mudar muito, pois é crônica e menor que a flutuação probabilística da composição racial dos que entram e saem no interior do contingente de 18 mil docentes dessas instituições.

Para contrastar, a África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje. Se não interviermos nos mecanismos de ingresso, nossas universidades mais importantes poderão atravessar todo o século 21 praticando um apartheid racial na docência praticamente irreversível.

É esta a questão central das cotas no ensino superior: a desigualdade racial existente na graduação, na pós-graduação, na docência e na pesquisa. Pensar na docência descortina um horizonte para a luta atual pelas cotas na graduação.

Enquanto lutamos para mudar essa realidade, um grupo de acadêmicos e jornalistas brancos, concentrado no eixo Rio-São Paulo, reage contra esse movimento apontando para cenários catastróficos, como se, por causa das cotas, as universidades brasileiras pudessem ser palco de genocídios como o do nazismo e o de Ruanda!

Como não podem negar a necessidade de alguma política de inclusão racial, passam a repetir tediosamente aquilo que todos sabem e do que ninguém discorda: não existem raças no sentido biológico do termo.

E, contrariando inclusive todos os dados oficiais sobre a desigualdade racial produzidos pelo IBGE e pelo Ipea, começam a negar a própria existência de racismo no Brasil.

Fugindo do debate substantivo, os anticotas optam pela desinformação e pelo negacionismo: raça não existe, logo, não há negros no Brasil; se existem por causa das cotas, não há como identificá-los; logo, não pode haver cotas.

Raças não existem, mas os negros existem, sofrem racismo e a maioria deles está excluída do ensino superior. Felizmente, a consciência de que é preciso incluir, ainda que emergencialmente, só vem crescendo -por isso, a presente década pode ser descrita como a década das cotas no ensino superior no Brasil. Começando com três universidades em 2002, em 2009 já são 94 universidades com ações afirmativas, em 68 das quais com recorte étnico-racial.

Vivemos um rico e criativo processo histórico, resultado de grande mobilização nacional de negros, indígenas e brancos, gerando juntos intensos debates, dentro e fora de universidades. Os modelos aprovados são inúmeros, cada um deles tentando refletir realidades regionais e dinâmicas específicas de cada universidade.

Essa nova consciência acadêmica refletiu positivamente no CNPq, que acaba de reservar 600 bolsas de iniciação científica para cotistas. Se o século 20 no Brasil foi o século da desigualdade racial, surge uma nova consciência de que o século 21 será o século da igualdade étnica e racial no ensino superior e na pesquisa.
(Folha de SP, 17/9)



Afropress entrevista Marcos Cardoso.

Belo Horizonte - O historiador Marcos Cardoso (foto), um dos principais dirigentes da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), considera que a audiência com o Presidente Lula, no final do mês passado, representou a retomada do papel protagonista da Coordenação, que reúne os ativistas filiados ou próximos ao PT.

Cardoso destacou a importância do debate sobre temas ligados a Economia e ao desenvolvimento econômico e social, em especial, o debate sobre a criação o Fundo Social, com recursos do Pré-Sal, que “incidem na vida do nosso povo e na agenda do Movimento Negro”.

“O Presidente Lula enfatizou que será necessário construir, ainda no seu Governo uma política estruturante – um “PAC SOCIAL”, no qual a CONEN estará empenhada com o objetivo de visibilizar a dimensão étnico-racial e garantir que essas políticas impactem positivamente a vida do povo negro brasileiro”, afirmou.

Esta semana, Rafael Pinto, de S. Paulo, outro dirigente da CONEN, já havia destacado que a audiência com Lula foi o marco de um novo momento no diálogo do Movimento Negro com o Governo.

Bacharel em Filosofia e Mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cardoso considerou natural a saída da UNEGRO – entidade que reúne filiados e ativistas do PC do B - da Coordenação. “Na transição para o segundo mandato, a luta de setores do “Movimento Negro” por “espacinhos” no poder ficou mais acirrada. É bom que se diga, que da mesma forma que às vezes é conveniente ser do Movimento Negro e às vezes não é, na CONEN é a mesma coisa, ou seja, às vezes é conveniente ser da CONEN e depois não é. E a CONEN nunca fica com o bônus, sempre com o ônus”, afirmou.

Veja, na íntegra, a entrevista de Marcos Cardoso para a Afropress .

Afropress - Quais os desdobramentos da conversa com o Presidente para a CONEN?

Marcos Cardoso - Penso que o primeiro desdobramento é que a CONEN como um segmento político importante do Movimento Negro Brasileiro enquanto uma Coordenação Nacional de organizações negras retoma um papel importante no cenário político brasileiro ao protagonizar ações políticas importantes que possam impactar na luta política contra o racismo e, sobretudo, contribuir o processo de mobilidade social e melhoria da vida da população negra no Brasil.
Cabe afirmar que raramente o Movimento Negro brasileiro pauta o debate da Economia, do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Nesse sentido, a audiência com o Presidente se pautou com temas mais estruturantes da vida nacional e que incidem na vida do nosso povo e na agenda do Movimento Negro e indicou como principal desdobramento a necessidade de transformação das principais conquistas, programas, projetos e ações até aqui implementados em Políticas de Estado. E para avançar adotando novas políticas, na Audiência, o Presidente Lula enfatizou que será necessário construir ainda no seu Governo já pensando o PPAG 2011-2015, consolidar uma política estruturante – um “PAC SOCIAL”, no qual a CONEN estará empenhada nessa construção com o objetivo de visibilizar a dimensão étnico-racial e garantir que essas políticas impactem positivamente a vida do povo negro brasileiro.

Afropress - Qual o caráter da CONEN, após a recente saída da UNEGRO? Mudou alguma coisa?

Cardoso - No processo de saída da UNEGRO, a CONEN já vinha refletindo sobre o seu caráter político. Em nossa avaliação, a CONEN ficou com o grosso do ônus político em virtude de protagonizar a construção da SEPPIR, contribuir na formulação das principais estratégias e das políticas públicas de promoção da igualdade racial e assumir a defesa política do fortalecimento institucional da SEPPIR no Governo Federal.

Certamente, a postura do setor estratégico da CONEN acarretou o esvaziamento dos quadros da CONEN no interior da própria SEPPIR, antes mesmo do fim da primeira gestão Lula. Na transição para o segundo mandato, a luta de setores do “Movimento Negro” por “espacinhos” no poder ficou mais acirrada. É bom que se diga, que da mesma forma que às vezes é conveniente ser do Movimento Negro e às vezes não é, na CONEN é a mesma coisa, ou seja, às vezes é conveniente ser da CONEN e depois não é. E a CONEN nunca fica com o bônus, sempre com o ônus.

A grosso modo, este processo levou a CONEN a desenvolver uma intensa reflexão crítica obre o seu caráter, o seu papel no interior do Movimento Negro e sobretudo sobre a sobre a sua capacidade de intervenção política na sociedade brasileira. Nesse sentido, a CONEN iniciou um processo de reestruturação interna, diante do conjunto de entidades e de forças políticas que atuam dentro da coordenação. É neste processo que se dá a saída da UNEGRO.

Ou seja, o que muda é que a UNEGRO não integra mais a organização, no entanto, continuamos na luta política contra o racismo no Brasil. Pontuaremos ações conjuntas, estabeleceremos alianças quando for necessário e buscaremos a unidade na luta em determinados momentos, em torno de agendas comuns, etc. São estratégias e metodologias políticas diferenciadas, ou seja, a UNEGRO lá e a CONEN aqui.

Afropress - Qual a avaliação da CONEN a respeito da II CONAPIR?

Cardoso - A CONEN desempenhou um papel político muito importante na CONAPIR. Penso que não suficientemente reconhecido pelo Governo Federal, pela SEPPIR. Não se pode tratar politicamente a CONEN como uma entidade ou um grupo qualquer. Falta visão ou conhecimento do que é e qual a força do movimento social negro no Brasil.

Por outro lado, a CONAPIR cumpre um papel de mobilização social da população negra e contribui para o empoderamento da SEPPIR e dos seus gestores. Mas isso não basta. Não podemos mais participar de conferencias apenas para empoderar ou manter gestores. Não podemos participar de conferencias que não ofereçam resultados concretos da implementação das políticas públicas.

Basta compararmos na CONAPIR os resultados da agenda social quilombola e a quantidade de titulação dos territórios das comunidades quilombolas. Também não podemos deixar que as conferências sejam instrumentalizadas por setores para manipular segmentos da comunidade negra. Ou seja, passou-se a fase da consolidação da SEPPIR e é necessário avançar nos resultados, na execução das políticas, dos programas, das ações, de empoderar os movimentos sociais e ampliar recursos. As Conferencias tem estes objetivos, servem para isso.

Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes sobre a audiência, Movimento Negro, entre outros temas.

Cardoso - Por fim, penso que a audiência contribuiu para acelerar e definir o processo da votação do Estatuto da Igualdade Racial e creio que em relação á questão econômica, sobre o Pré Sal – assunto que debatemos com o Presidente e que está na mídia, pensamos que um dos projetos dos marcos regulatórios do Pré-Sal é criação de um Fundo voltado para a erradicação das desigualdades sociais, para vencer o atraso educacional e tecnológico, voltado para a sustentabilidade ambiental e cultural. Todas essas diretrizes são importantes e serão discutidas pela sociedade brasileira.

No entanto, como desdobramento da audiência, é importante e estratégico que o Movimento Negro brasileiro participe e discuta profundamente a proposta da criação do Fundo a ser constituído pelos recursos do Pré-sal com o objetivo de garantir a dimensão étnico-racial e de gênero, de modo a garantir a inclusão da população negra como beneficiária histórica desses recursos no futuro.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Aposentado é preso em flagrante por racismo

Ariovaldo Luiz Filier agrediu verbalmente atendente na Prefeitura.

O aposentado Ariovaldo Luiz Filier, de 55 anos, foi preso acusado de racismo, anteontem, em Campinas. Ele ofendeu uma atendente da Prefeitura em frente ao guichê no Paço Municipal. A funcionária vítima de racismo, A.V.S., de 30 anos, chamou a senha do aposentado e, ao ver que a moça — que é negra — o atenderia, Filier começou a xingá-la. “Ele disse: ‘Não quero ser atendido por preto. Eu quero ser atendido por uma das duas branquinhas. Preto é tudo safado, não faz nada direito, não vale nada’”, afirmou A.

Filier foi levado por guardas municipais (GMs) para o 13º Distrito Policial (DP), onde foi autuado em flagrante por crime de racismo e encaminhado para a cadeia anexa ao 2º DP, no São Bernardo.

V. contou que tinha terminado um atendimento e, quando chamou a senha, viu o senhor que estava com documentos nas mãos para serem entregues no guichê em que ela trabalha. “Ele começou a gritar. As pessoas ficaram assustadas e sem entender o que acontecia. Minha supervisora até tentou falar com ele. Que as outras atendentes estavam ocupadas e que eu poderia atendê-lo. Mas ele continuou a ofender a minha raça. Dizia: ‘Hoje não vou ser atendido por preto. A sua raça é mentirosa’”, afirmou a mulher, ainda constrangida com a situação.

A funcionária disse ao aposentado que o que ele fazia era crime inafiançável e que chamaria a polícia. Ele continuou gritando e chegou a correr. Guardas municipais o detiveram na Rua Benjamin Constant. Levado até a delegacia, o aposentado, em um primeiro momento, disse ter esquecido o que tinha se passado. Mas depois falou que estava nervoso com serviço prestado pela Prefeitura e por isso ofendeu a mulher. “Deparei com a moça de cor e fiz a ofensa. Mas, se fosse atendido pelas brancas, também teria ofendido”, disse Filier.

“Não podia deixar isso passar, pois ele não ofendeu só a mim. E sim toda minha raça. Acho que isso serve como exemplo para muitas outras pessoas que acreditam que negros são inferiores”, afirmou a atendente.

Na delegacia, o aposentado ainda passou por duas situações pelo menos constrangedoras em relação ao crime a ele atribuído: foi atendido por dois policiais civis e um advogado, todos negros.

A FRASE

“Não aconteceu nada para ele tomar essa atitude tão agressiva. Eu chamei a senha dele e ele começou a me xingar. Não entendi nada.”

A.V.S.
Atendente vítima de preconceito racial

SAIBA MAIS

O aposentado Ariovaldo Luiz Filier, de 55 anos, foi detido com base na Lei 7716/89, de 1997. A legislação combate o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Com base nos depoimentos, o delegado de plantão decidiu autuá-lo pelo artigo 20 — praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor e etnia. Esse tipo de crime torna-se afiançável apenas em juízo. Se condenado, Filier pode pegar de um a três anos de reclusão, além de multa.

Dois exonerados por ensinar diversidade religiosa

Na segunda-feira (14/09/2009), a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público promoveu umaAudiência Pública, sob o tema “Intolerância religiosa: um mal cotidiano nas relações sociais. Como enfrentaremos este problema?” motivada pela demissão de dois professores da rede pública estadual de Salvaterra que discutiam e promoviam a diversidade religiosa em sala de aula.

Os professores Maria do Carmo Pereira Maciel e Rodrigo Oliveira dos Santos foram exonerados pelo prefeito José Maria Gomes de Araújo (DEM) alguns meses depois do desfile do 7 de Setembro de 2008, ocasião em que promoveram um desfile ecumênico com os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Oscarina Santos, em Salvaterra, no Marajó, que resultou na publicação de um artigo em um revista de circulação nacional chamada “Diálogo”.

No artigo, os professores relatam que a escola há alguns anos apresenta temas importantes nos desfiles de 07 de setembro. “O tema sugerido para 2008 foi à diversidade religiosa, mas não foi aprovado. Ficou então, restrito às turmas de 6ª série que representaram a disciplina Ensino Religioso”, diz Rodrigo Santos. Segundo os professores, as turmas enfatizaram o respeito, o diálogo e a tolerância religiosa no município de Salvaterra, ‘de modo a favorecer um conhecimento maior sobre as tradições religiosas existentes na comunidade e possibilitar o contato, a apreciação e o sentimento de respeito ao novo e desconhecido’.

Para isso, foi enviada uma carta-convite para uma reunião com as lideranças religiosas. Compareceram o sacerdote católico, um pastor, dois babalorixás e uma ialorixá. “A reunião focou a formação integral cidadã dos alunos e a possibilidade de conhecimento do Fenômeno Religioso e os líderes religiosos mostraram preocupação e interesse em contribuir para que a sociedade de Salvaterra se torne mais consciente de suas crenças e responsabilidades”, argumentam os professores.

>> Desfile ganhou apoio de diversos líderes:

“Para o desfile, seria criada, uma personagem chamada Sagrado, que expressaria a compreensão do Transcendente em todos os segmentos religiosos. Seria um aluno negro, quebrando assim um estereótipo. Trajado por uma túnica de várias cores, representativas das diversas religiões, teria uma grande simplicidade e seriedade, capaz de transmitir fé, força e segurança, valores comuns a todas as tradições religiosas”, diz o artigo.

Os alunos representaram o catolicismo, o protestantismo de fronteira, o pentecostalismo, a umbanda, o candomblé, a pajelança cabocla. Foram acompanhados de algumas lideranças como o pastor da Igreja Adventista, a líder da Fé Baha’í, pais-de-santo e uma mãe-de-santo com vários seguidores, muito bem caracterizados. Integrou-se depois um grupo da Igreja Adventista, Os Desbravadores, acompanhados do pastor e também crianças pertencentes à Igreja do Cordeiro, todas caracterizadas.

“Chegamos a ser acusados pela prefeitura de ‘ensinar macumba’ em sala de aula, coisa que nunca ocorreu”, diz Rodrigo Santos. O prefeito de Salvaterra é membro da igreja Assembleia de Deus.

No início do ano, a professora Maria do Carmo foi exonerada. Em agosto foi a vez de Rodrigo dos Santos. Os alunos chegaram a fazer manifestações contra a saída do professor, mas a demissão se manteve.

“Infelizmente, mesmo publicando um trabalho de referência nacional hoje nós estamos desempregados por cumprir as leis da educação num território negro que possui hoje 15 comunidades quilombolas reconhecidas, mas nem sequer têm o direito ao respeito e ao conhecimento da sua própria história e cultura”, diz o professor.

(Diário do Pará)Luis Carlos de Alencar
55-21-8546-7344

os principais pontos do Estatuto da Igualdade Racial

Comunidades quilombolas - O texto aprovado reafirma o princípio constitucional de que os moradores das comunidades remanescentes de quilombos têm direito à propriedade definitiva das terras. O Estatuto, assim, fortalece o decreto n º 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 da Constituição Federal, que trata da demarcação de terras quilombolas. Os direitos dessas comunidades estão garantidos ao longo de todo o texto aprovado, de forma transversal. Um dos itens do Estatuto prevê, por exemplo, que para fins de política agrícola, os remanescentes receberão tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público destinados à realização de atividades produtivas e de infraestrutura.

Cultura - O Poder Público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio cultural. A capoeira, por exemplo, passa a ser reconhecida como desporto nacional ao ter a garantia de registro e proteção, em todas as suas modalidades.

Descentralização das políticas públicas - O texto institucionaliza o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), coordenado pela Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Dentre os estados e municípios, mais de 500 já aderiram ao Fórum. A adesão implica na criação de órgãos locais para cuidar exclusivamente da igualdade racial. Assim, o Fórum estimula a disseminação de políticas de igualdade racial por todo o país. Estados e municípios participantes do FIPIR têm prioridade no recebimento de recursos de programas desenvolvidos pela SEPPIR e ministérios parceiros.

Direitos políticos - Cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de 10% de vagas para candidaturas de representantes da população negra.

Educação - O Estatuto estabelece parâmetros para a aplicação de ações afirmativas voltadas à população negra, como o sistema de cotas raciais para o acesso ao ensino público. Independentemente do Estatuto, há um projeto de lei tramitando no Senado (PLC 180/2008) que trata especificamente sobre a instituição de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Mesmo sem ter sido aprovado ainda, 79 universidades já criaram políticas de ações afirmativas. Dessas, 59 possuem cotas raciais, conforme dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Financiamento - O Estatuto prevê fontes de financiamento para programas e ações que visem à promoção da igualdade racial. Os orçamentos anuais da União, por exemplo, deverão contemplar as políticas de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas áreas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação de massa, moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos públicos e outros. Outro destaque é que o Poder Público priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos no Estatuto aos estados, Distrito Federal e municípios que tenham criado conselhos de igualdade racial.

Justiça e segurança - O Poder Público Federal instituirá, na forma da lei, e no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, ouvidorias permanentes em defesa da igualdade racial. O texto prevê ainda atenção às mulheres negras em situação de vulnerabilidade, garantindo assistência física, psíquica, social e jurídica. Para a juventude, prevê que o Estado implementará ações de ressocialização e proteção de jovens negros em conflito com a lei e expostos a experiências de exclusão social.

Meios de comunicação - Na produção de filmes, peças publicitárias e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial e artística. Além disso, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.

Moradia - O Poder Público garantirá a implementação de políticas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive nas favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas ou em processo de degradação. Esse direito inclui, por exemplo, a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários e a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação. Além disso, os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela lei nº 11.124/2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. Os estados, o Distrito Federal e os municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).

Religião - Garante a liberdade para a prática de religiões de matrizes africanas. Além disso, assegura a assistência religiosa aos praticantes internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive os submetidos a pena de privação de liberdade.

Saúde - Cria os marcos legais para a implantação de políticas de saúde voltadas às especificidades da população negra, e para a garantia do acesso igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta fixa ainda as diretrizes da política nacional de saúde integral da população negra.

SINAPIR - O texto institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) como forma de organização e articulação voltadas às implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as iniquidades raciais existentes no país, prestadas pelo Poder Público Federal. O estados, DF e municípios poderão participar do SINAPIR mediante adesão. O Poder Público Federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do SINAPIR.

Terra - Serão assegurados à população negra o acesso à terra, assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção. Aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. Para os fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial e diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.

Trabalho - Pelo texto aprovado, o Estado vai investir fortemente para inserir o negro no mercado de trabalho, seja no setor público ou privado, por meio de ações afirmativas. Entre as políticas de inclusão, poderá oferecer incentivos a empresas com mais de 20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros. O Estatuto prevê ainda que o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

Coordenação de Comunicação Social

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Presidência da República
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Nosso racismo é um crime perfeito

O antropólogo Kabengele Munanga fala sobre o mito da democracia racial brasileira, a polêmica com Demétrio Magnoli e o papel da mídia e da educação no combate ao preconceito no país.

Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria
Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial?Como foi essa mudança para o senhor?
Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida. Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a
mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram. A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia? Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer. Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão... A geografia do seu corpo não indica isso. Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque
nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira.
Revista Fórum - Quando você tem um sistema como o sul-africano ou um sistema de restrição de direitos como houve nos EUA, o inimigo está claro. No caso brasileiro é mais difícil combatê-lo...
Kabengele - Claro, é mais difícil. Porque você não identifica seu opressor. Nos EUA era mais fácil porque começava pelas leis. A primeira reivindicação: o fim das leis racistas. Depois, se luta para implementar políticas públicas que busquem a promoção da igualdade racial. Aqui é mais difícil, porque não tinha lei nem pra discriminar, nem pra proteger. As leis pra proteger estão na nova Constituição que diz que o racismo é um crime inafiançável. Antes disso tinha a lei Afonso Arinos, de 1951. De acordo com essa lei, a prática do racismo não era um crime, era uma contravenção. A população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger.
Revista Fórum - Aqui no Brasil há mais dificuldade com relação ao sistema de cotas justamente por conta do mito da democracia racial?
Kabengele - Tem segmentos da população a favor e contra. Começaria pelos que estão contra as cotas, que apelam para a própria Constituição, afirmando que perante a lei somos todos iguais. Então não devemos tratar os cidadãos brasileiros diferentemente, as cotas seriam uma inconstitucionalida de. Outro argumento contrário, que já foi demolido, é a ideia de que seria difícil distinguir os negros no Brasil para se beneficiar pelas cotas por causa da mestiçagem. O Brasil é um país de mestiçagem, muitos brasileiros têm sangue europeu, além de sangue indígena e africano, então seria difícil saber quem é afro-descendente que poderia ser beneficiado pela cota. Esse argumento não resistiu. Por quê? Num país onde existe discriminação antinegro, a própria discriminação é a prova de que é possível identificar os negros. Senão não teria discriminação. Em comparação com outros países do mundo, o Brasil é um país que tem um índice de mestiçamento muito mais alto. Mas isso não pode impedir
uma política, porque basta a autodeclaração. Basta um candidato declarar sua afro-descendência. Se tiver alguma dúvida, tem que averiguar. Nos casos-limite, o indivíduo se autodeclara afrodescendente. Às vezes, tem erros humanos, como o que aconteceu na UnB, de dois jovens mestiços, de mesmos pais, um entrou pelas cotas porque acharam que era mestiço, e o outro foi barrado porque acharam que era branco. Isso são erros humanos. Se tivessem certeza absoluta
que era afro-descendente, não seria assim. Mas houve um recurso e ele entrou. Esses casos-limite existem, mas não é isso que vai impedir uma política pública que possa beneficiar uma grande parte da população brasileira. Além do mais, o critério de cota no Brasil é diferente dos EUA. Nos EUA, começaram com um critério fixo e nato. Basta você nascer negro. No Brasil não. Se a gente analisar a história, com exceção da UnB, que tem suas razões, em todas as universidades brasileiras que entraram pelo critério das cotas, usaram o critério étnico-racial combinado com o critério econômico. O ponto de partida é a escola pública. Nos EUA não foi isso. Só que a imprensa não quer enxergar, todo mundo quer dizer que cota é simplesmente racial. Não é. Isso é mentira, tem que ver como funciona em todas as universidades. É necessário fazer um certo controle, senão não adianta aplicar as cotas. No entanto, se mantém a ideia de que, pelas pesquisas quantitativas, do IBGE, do Ipea, dos índices do Pnud, mostram que o abismo em matéria de educação entre negros e brancos é muito grande. Se a gente considerar isso então tem que ter uma política de mudança. É nesse sentido que se defende uma política de cotas. O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que
são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito. A própria pesquisa do IPEA mostra que se não mudar esse quadro, os negros vão levar muitos e muitos anos para chegar aonde estão os brancos em matéria de educação. Os que são contra cotas ainda dão o argumento de que qualquer política de diferença por parte do governo no Brasil seria uma política de reconhecimento das raças e isso seria um retrocesso, que teríamos conflitos, como os que aconteciam nos EUA.
Fórum - Que é o argumento do Demétrio Magnoli.
Kabengele - Isso é muito falso, porque já temos a experiência, alguns falam de mais de 70 universidades públicas, outros falam em 80. Já ouviu falar de conflitos raciais em algum lugar, linchamentos raciais? Não existe. É claro que houve manifestações numa universidade ou outra, umas pichações, "negro, volta pra senzala". Mas isso não se caracteriza como conflito racial. Isso é uma maneira de horrorizar a população, projetar conflitos que na realidade não vão existir.
Fórum - Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?
Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. A ideia de que o Brasil vive muito bem, não há problema com ele, que o problema é só com os pobres, que não podemos introduzir as cotas porque seria introduzir uma discriminação contra os brancos e pobres. Mas eles ignoram que os brancos e pobres também são beneficiados pelas cotas, e eles negam esse argumento automaticamente, deixam isso de lado.
Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?
Kabengele - É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. "Ah, é só mudar a escola pública." Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica. E tem esse argumento legalista, "porque a cota é uma inconstitucionalida de, porque não há racismo no Brasil". Há juristas que dizem que a igualdade da qual fala a Constituição é uma igualdade formal, mas tem a igualdade material. É essa igualdade material que é visada pelas políticas de ação afirmativa. Não basta dizer que somos todos iguais. Isso é importante, mas você tem que dar os meios e isso se faz com as políticas públicas. Muitos disseram que as cotas nas
universidades iriam atingir a excelência universitária. Está comprovado que os alunos cotistas tiveram um rendimento igual ou superior aos outros. Então a excelência não foi prejudicada. Aliás, é curioso falar de mérito como se nosso vestibular fosse exemplo de democracia e de mérito. Mérito significa simplesmente que você coloca como ponto de partida as pessoas no mesmo nível. Quando as pessoas não são iguais, não se pode colocar no ponto de partida para concorrer igualmente. É como você pegar uma pessoa com um fusquinha e outro com um Mercedes, colocar na mesma linha de partida e ver qual o carro mais veloz. O aluno que vem da escola pública, da periferia, de péssima qualidade, e o aluno que vem de escola particular de boa qualidade, partindo do mesmo ponto, é claro que os que vêm de uma boa escola vão ter uma nota superior. Se um aluno que vem de um Pueri Domus, Liceu Pasteur, tira nota 8, esse que vem da periferia e tirou nota 5 teve uma caminhada muito longa. Essa nota 5 pode ser mais significativa do que a nota 7 ou 8. Dando oportunidade ao aluno, ele não vai decepcionar. Foi isso que aconteceu, deram oportunidade. As cotas são aplicadas desde 2003. Nestes sete anos, quantos jovens beneficiados pelas cotas terminaram o curso universitário e quantos anos o Brasil levaria para formar o tanto de negros sem cotas? Talvez 20 ou mais. Isso são coisas concretas para as quais as pessoas fecham os olhos. No artigo do professor Demétrio Magnoli, ele me critica, mas não leu nada. Nem uma linha de meus livros. Simplesmente pegou o livro da Eneida de Almeida dos Santos, Mulato, negro não-negro e branco não-branco que pediu para eu fazer uma introdução, e desta introdução de três páginas ele tirou algumas frases e, a partir dessas frases, me acusa de ser um charlatão acadêmico, de professar o racismo científico abandonado há mais de um século e fazer parte de um projeto de racialização oficial do Brasil. Nunca leu nada do que eu escrevi. A autora do livro é mestiça, psiquiatra e estuda a dificuldade que os mestiços entre branco e negro têm pra construir a sua identidade. Fiz a introdução mostrando que eles têm essa dificuldade justamente por causa de serem negros não-negros e brancos não-brancos. Isso prejudica o processo, mas no plano político, jurídico, eles não podem ficar ambivalentes. Eles têm que optar por uma identidade, têm que aceitar sua negritude, e não rejeitá-la. Com isso ele acha que eu estou professando a supressão dos mestiços no Brasil e que isso faz parte do projeto de racialização do brasileiro. Não tinha nada para me acusar, soube que estou defendendo as cotas, tirou três frases e fez a acusação dele no jornal.
Fórum - O senhor toca na questão do imaginário da democracia racial, mas as pessoas são formadas para aceitarem esse mito...
Kabengele - O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la. Há negros que introduziram isso, que alienaram sua humanidade, que acham que são mesmo inferiores e o branco tem todo o direito de ocupar os postos de comando. Como também tem os brancos que introjetaram isso e acham mesmo que são superiores por natureza. Mas para você lutar contra essa ideia não bastam as leis, que são repressivas, só vão punir. Tem que educar também. A educação é um instrumento muito importante de mudança de mentalidade e o brasileiro foi educado para não assumir seus preconceitos. O Florestan Fernandes dizia que um dos problemas dos brasileiros é o “preconceito de ter preconceito de ter preconceito”. O brasileiro nunca vai aceitar que é preconceituoso. Foi educado para não aceitar isso. Como se diz, na casa de enforcado não se fala de corda. Quando você está diante do negro, dizem que tem que dizer que é moreno, porque se disser que é negro, ele vai se sentir ofendido. O que não quer dizer que ele não deve ser chamado de negro. Ele tem nome, tem identidade, mas quando se fala dele, pode dizer que é negro, não precisa branqueá-lo, torná-lo moreno. O brasileiro foi educado para se comportar assim, para não falar de corda na casa de enforcado. Quando você pega um brasileiro em flagrante de prática racista, ele
não aceita, porque não foi educado para isso. Se fosse um americano, ele vai dizer: "Não vou alugar minha casa para um negro". No Brasil, vai dizer: "Olha, amigo, você chegou tarde, acabei de alugar". Porque a educação que o americano recebeu é pra assumir suas práticas racistas, pra ser uma coisa explícita. Quando a Folha de S. Paulo fez aquela pesquisa de opinião em 1995, perguntaram para muitos brasileiros se existe racismo no Brasil. Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas: "você já discriminou alguém?". A maioria disse que não. Significa que há racismo, mas sem racistas. Ele está no ar... Como você vai combater isso? Muitas vezes o brasileiro chega a dizer ao negro que reage: "você que é complexado, o problema está na sua cabeça". Ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo, quem comentou não tem nenhum problema.
Revista Fórum - O humorista Danilo Gentilli escreveu no Twitter uma piada a respeito do King Kong, comparando com um jogador de futebol que saía com loiras. Houve uma reação grande e a continuação dos argumentos dele para se justificar vai ao encontro disso que o senhor está falando. Ele dizia que racista era quem acusava ele, e citava a questão do orgulho negro como algo de quem é racista.
Kebengele - Faz parte desse imaginário. O que está por trás que está fazendo uma ilustração de King Kong, que ele compara a um jogador de futebol que vai casar com uma loira, é a ideia de alguém que ascende na vida e vai procurar sua loira. Mas qual é o problema desse jogador de futebol? São pessoas vítimas do racismo que acham que agora ascenderam na vida e, para mostrar isso, têm que ter uma loira que era proibida quando eram pobres? Pode até ser uma explicação. Mas essa loira não é uma pessoa humana que pode dizer não ou sim e foi obrigada a ir com o King Kong por causa de dinheiro? Pode ser, quantos casamentos não são por dinheiro na nossa sociedade? A velha burguesia só se casa dentro da velha burguesia. Mas sempre tem pessoas que desobedecem as normas da sociedade. Essas jovens brancas, loiras, também pulam a cerca de suas identidades pra casar com um negro jogador. Por que a corda só arrebenta do lado do jogador de futebol? No fundo, essas pessoas não querem que os negros casem com suas filhas. É uma forma de racismo. Estão praticando um preconceito que não respeita a vontade dessas mulheres nem essas pessoas que ascenderam na vida, numa sociedade onde o amor é algo sem fronteiras, e não teria tantos mestiços nessa sociedade. Com tudo o que aconteceu no campo de futebol com aquele jogador da Argentina que chamou o Grafite de macaco, com tudo o que acontece na Europa, esse humorista faz uma ilustração disso, ou é uma provocação ou quer reafirmar os preconceitos na nossa sociedade.
Fórum - É que no caso, o Danilo Gentili ainda justificou sua piada com um argumento muito simplório: "por que eu posso chamar um gordo de baleia e um negro de macaco", como se fosse a mesma coisa.
Kabengele - É interessante isso, porque tenho a impressão de que é um cara que não conhece a história e o orgulho negro tem uma história. São seres humanos que, pelo próprio processo de colonização, de escravidão, a essas pessoas foi negada sua humanidade. Para poder se recuperar, ele tem que assumir seu corpo como negro. Se olhar no espelho e se achar bonito ou se achar feio. É isso o orgulho negro. E faz parte do processo de se assumir como negro, assumir seu corpo que foi recusado. Se o humorista conhecesse isso, entenderia a história do orgulho negro. O branco não tem motivo para ter orgulho branco porque ele é vitorioso, está lá em cima. O outro que está lá em baixo que deve ter orgulho, que deve construir esse orgulho para poder se reerguer.
Fórum - O senhor tocou no caso do Grafite com o Desábato, e recentemente tivemos, no jogo da Libertadores entre Cruzeiro e Grêmio, o caso de um jogador que teria sido chamado de macaco por outro atleta. Em geral, as pessoas – jornalistas que comentaram, a diretoria gremista – argumentavam que no campo de futebol você pode falar qualquer coisa, e que se as pessoas fossem se importar com isso, não teria como ter jogo de futebol. Como você vê esse tipo de situação?
Kabengele - Isso é uma prova daquilo que falei, os brasileiros são educados para não assumir seus hábitos, seu racismo. Em outros países, não teria essa conversa de que no campo de futebol vale. O pessoal pune mesmo. Mas aqui, quando se trata do negro... Já ouviu caso contrário, de negro que chama branco de macaco? Quando aquele delegado prendeu o jogador argentino no caso do Grafite, todo mundo caiu em cima. Os técnicos, jornalistas, esportistas, todo mundo dizendo que é assim no futebol. Então a gente não pode educar o jogador de futebol, tudo é permitido? Quando há violência física, eles são punidos, mas isso aqui é uma violência também, uma violência simbólica. Por que a violência simbólica é aceita a violência física é punida?
Fórum - Como o senhor vê hoje a aplicação da lei que determina a obrigatoriedade do ensino de cultura africana nas escolas? Os professores, de um modo geral, estão preparados para lidar com a questão racial?
Kabengele - Essa lei já foi objeto de crítica das pessoas que acham que isso também seria uma racialização do Brasil. Pessoas que acham que, sendo a população brasileira uma população mestiça, não é preciso ensinar a cultura do negro, ensinar a história do negro ou da África. Temos uma única história, uma única cultura, que é uma cultura mestiça. Tem pessoas que vão nessa direção, pensam que isso é uma racialização da educação no Brasil. Mas essa questão do ensino da diversidade na escola não é propriedade do Brasil. Todos os países do mundo lidam com a questão da diversidade, do ensino da diversidade na escola, até os que não foram colonizadores, os nórdicos, com a vinda dos imigrantes, estão tratando da questão da diversidade na escola. O Brasil deveria tratar dessa questão com mais força, porque é um país que nasceu do encontro das culturas, das civilizações. Os europeus chegaram, a população indígena – dona da terra – os africanos, depois a última onda imigratória é dos asiáticos. Então tudo isso faz parte das raízes formadoras do Brasil que devem fazer parte da formação do cidadão. Ora, se a gente olhar nosso sistema educativo, percebemos que a história do negro, da África, das populações indígenas não fazia parte da educação do brasileiro. Nosso modelo de educação é eurocêntrico. Do ponto de vista da historiografia oficial, os portugueses chegaram na África, encontraram os africanos vendendo seus filhos, compraram e levaram para o Brasil. Não foi isso que aconteceu. A história da escravidão é uma história da violência. Quando se fala de contribuições, nunca se fala da África. Se se introduzir a história do outro de uma maneira positiva, isso ajuda. É por isso que a educação, a introdução da história dele no Brasil, faz parte desse processo de construção do orgulho negro. Ele tem que saber que foi trazido e aqui contribuiu com o seu trabalho, trabalho escravizado, para construir as bases da economia colonial brasileira. Além do mais, houve a resistência, o negro não era um João-Bobo que simplesmente aceitou, senão a gente não teria rebeliões das senzalas, o Quilombo dos Palmares, que durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. São essas coisas que devem ser ensinadas. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é aí que vão poder respeitar os outros. Voltando a sua pergunta, as dificuldades são de duas ordens. Em primeiro lugar, os educadores não têm formação para ensinar a diversidade. Estudaram em escolas de educação eurocêntrica, onde não se ensinava a história do negro, não estudaram história da África, como vão passar isso aos alunos? Além do mais, a África é um continente, com centenas de culturas e civilizações. São 54 países oficialmente. A primeira coisa é formar os educadores, orientar por onde começou a cultura negra no Brasil, por onde começa essa história. Depois dessa formação, com certo conteúdo, material didático de boa qualidade, que nada tem a ver com a historiografia oficial, o processo pode funcionar.
Fórum - Outra questão que se discute é sobre o negro nos espaços de poder. Não se veem negros como prefeitos, governadores. Como trabalhar contra isso?
Kabengele - O que é um país democrático? Um país democrático, no meu ponto de vista, é um país que reflete a sua diversidade na estrutura de poder. Nela, você vê mulheres ocupando cargos de responsabilidade, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, assim como no setor privado. E ainda os índios, que são os grandes discriminados pela sociedade. Isso seria um país democrático. O fato de você olhar a estrutura de poder e ver poucos negros ou quase não ver negros, não ver mulheres, não ver índios, isso significa que há alguma coisa que
não foi feita nesse país. Como construção da democracia, a representatividade da diversidade não existe na estrutura de poder.Por quê? Se você fizer um levantamento no campo jurídico, quantos desembargadores e juízes negros têm na sociedade brasileira? Se você for pras universidades públicas, quantos professores negros tem, começando por minha própria universidade? Esta universidade tem cerca de 5 mil professores. Quantos professores negros tem na USP? Nessa grande faculdade, que é a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), uma das maiores da USP junto com a Politécnica, tenho certeza de que na minha faculdade fui o primeiro negro a entrar como professor. Desde que entrei no Departamento de Antropologia, não entrou outro. Daqui três anos vou me aposentar. O professor Milton Santos, que era um grande professor, quase Nobel da Geografia, entrou no departamento, veio do exterior e eu já estava aqui. Em toda a USP, não sou capaz de passar de dez pessoas conhecidas. Pode ter mais, mas não chega a 50, exagerando. Se você for para as grandes universidades americanas, Harvard, Princeton, Standford, você vai encontrar mais negros professores do que no Brasil. Lá eles são mais racistas, ou eram mais racistas, mas como explicar tudo isso? 120 anos de abolição. Por que não houve uma certa mobilidade social para os negros chegarem lá? Há duas explicações: ou você diz que ele é geneticamente menos inteligente, o que seria uma explicação racista, ou encontra explicação na sociedade. Quer dizer que se bloqueou a sua mobilidade. E isso passa por questão de preconceito, de discriminação racial. Não há como explicar isso. Se você entender que os imigrantes japoneses chegaram, nós comemoramos 100 anos recentemente da sua vinda, eles tiveram uma certa mobilidade. Os coreanos também ocupam um lugar na sociedade. Mas os negros já estão a 120 anos da abolição. Então tem uma explicação. Daí a necessidade de se mudar o quadro. Ou nós mantemos o quadro, porque se não mudamos estamos racializando o Brasil, ou a gente mantém a situação para mostrar que não somos
racistas. Porque a explicação é essa, se mexer, somos racistas e estamos racializando. Então vamos deixar as coisas do jeito que estão. Esse é o dilema da sociedade.
Revista Fórum – como o senhor vê o tratamento dado pela mídia à questão racial?
Kabengele - A imprensa faz parte da sociedade. Acho que esse discurso do mito da democracia racial é um discurso também que é absorvido por alguns membros da imprensa. Acho que há uma certa tendência na imprensa pelo fato de ser contra as políticas de ação afirmativa, sendo que também não são muito favoráveis a essa questão da obrigatoriedade do ensino da história do negro na escola. Houve, no mês passado, a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Silêncio completo da imprensa brasileira. Não houve matérias sobre isso. Os grandes jornais da imprensa escrita não pautaram isso. O silêncio faz parte do dispositivo do racismo brasileiro. Como disse Elie Wiesel, o carrasco mata sempre duas vezes. A segunda mata pelo silêncio. O silêncio é uma maneira de você matar a consciência de um povo. Porque se falar sobre isso abertamente, as pessoas vão buscar saber, se conscientizar, mas se ficar no silêncio a coisa morre por aí. Então acho que o silêncio da imprensa, no meu ponto de vista, passa por essa estratégia, é o não-dito. Acabei de passar por uma experiência interessante. Saí da Conferência Nacional e fui para Barcelona, convidado por um grupo de brasileiros que pratica capoeira. Claro, receberam recursos do Ministério das Relações Exteriores, que pagou minha passagem e a estadia. Era uma reunião pequena de capoeiristas e fiz uma conferência sobre a cultura negra no Brasil. Saiu no El Pais, que é o jornal mais importante da Espanha, noticiou isso, uma coisa pequena. Uma conferência nacional deste tamanho aqui não se fala. É um contrassenso. O silêncio da imprensa não é um silêncio neutro, é um silêncio que indica uma certa orientação da questão racial. Tem que não dizer muita coisa e ficar calado. Amanhã não se fala mais, acabou. Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto.

domingo, 20 de setembro de 2009

Estatuto da Igualdade Racial é aprovado por unanimidade por comissão da Câmara.

Em sessão histórica finalizada com aplausos e em clima de festa, o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6264/2005, do Senado) foi aprovado por unanimidade na tarde desta quarta-feira (9 de setembro) pela Comissão Especial da Câmara criada para debater o tema. "A aprovação foi um grande avanço. Por meio dele, o Estado fica obrigado a agir em relação às desigualdades existentes no país. É uma lei que vai unir a sociedade e gerar vários benefícios para populações historicamente excluídas", avalia o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos.

Por meio de um acordo costurado pelo ministro e lideranças do Congresso, o projeto não precisará passar pelo Plenário da Câmara. Ele volta para a Casa originária: o Senado Federal. A expectativa do ministro é que a aprovação final da proposta ocorra até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. "Lá no Senado não vamos apresentar recurso ao Plenário. A partir de hoje o DEM apoia e defende o Estatuto", disse o deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), representante do partido que mais fez oposição ao projeto.

Comemoração - Entre os participantes da sessão que durou menos de duas horas e foi comemorada pelos deputados, também estava o senador Paulo Paim (PT/RS), autor do projeto original do Estatuto. Representantes do movimento negro também festejaram. "Sem sombra de dúvida foi um grande avanço para nós, ativistas", disse a presidente do Conselho de Comunidade Negra de São Paulo, Elisa Lucas Rodrigues.

Para o coordenador-geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França, a decisão "reafirma a vanguarda do Brasil no ordenamento jurídico para a promoção da igualdade racial". Na opinião do representante da entidade Agentes Pastoral dos Negros (APNs), Nuno Coelho, foi um golaço do ministro, que conseguiu aproximar o movimento social, o Parlamento e o governo em prol do Estatuto. A secretária nacional de combate ao racismo do PT, Cida Abreu, considerou a aprovação o reconhecimento da história de luta do movimento negro brasileiro.

"As dificuldades enfrentadas pela comunidade negra ainda são muito latentes. O que se conseguiu foi um acordo para que as elites não perdessem os dedos, mas deixassem os aneis. Mesmo assim, o negro está em festa, é uma data histórica", afirmou Eduardo de Oliveira. O representante do Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) resumiu a aprovação como uma grande vitória da luta negra. "Espero que, no Senado, tudo ocorra com a mesma tranquilidade", concluiu.

Algumas frases dos parlamentares

Carlos Santana (PT/RJ), presidente da Comissão - "Eu considero o momento de festa e de muita esperança para o nosso povo negro. Parabéns!"

Leonardo Quintão (PMDB/MG) - "Hoje nós iremos iniciar a história do Brasil para pagarmos os 121 que ficaram para trás (desde a escravidão) e avançarmos."

Márcio Marinho (PR/BA ) - "Hoje é um dia de felicidade porque conseguimos aprovar este Estatuto que é uma porta para várias conquistas."

Janete Rocha Pietá (PT/SP), 3ª vice-presidente da Comissão - "Este é um processo de luta dos nossos ancestrais. Queremos elogiar as políticas públicas que este Estatuto ampliará."

João Almeida (PSDB/BA) - "O Estatuto é uma norma que o Parlamento está devendo para a sociedade brasileira. Induz a uma política afirmativa."

Raul Jungmann (PPS/PE) - "Vamos votar rápido para que gente não perca hora. 'Quem sabe faz a hora não espera acontecer."

Coordenação de Comunicação Social

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Presidência da República
Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 9º andar - 70.054-906 - Brasília (DF)
Telefone: (61) 3411-3659

Vilma Reis, com a palavra!

Vilma Reis:
“Os lugares mais privilegiados estão sob controle da ‘branquitude’”

Trechos inéditos da entrevista com a socióloga Vilma Reis, uma das coordenadoras do Ceafro / Ufba e presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra:

>> A infância em Nazaré das Farinhas

Nasci no bairro de Marechal Rondon, em Salvador, e com dois anos fui para Nazaré das Farinhas. Me criei no Recôncavo com aquele orgulho todo das famílias negras de lá. Fui criada por uma mulher muito forte, a minha avó. Ela já havia criado 13 filhos e depois criou mais oito netos, por conta das interrupções impostas pelo racismo a seus filhos homens. Meu pai era ferroviário e sofreu um acidente na linha férrea. Ele saiu do hospital e assinou uma série de documentos que o fez perder muitos direitos trabalhistas. Ele não aguentou a pressão e foi parar no sanatório. Por isso fui para Nazaré. A minha vó é pra mim o principal exemplo, foi meu primeiro movimento negro. Ela dava diária nas casas das famílias mais abastadas e dizia pra gente: ‘Vocês não vão limpar a casa dos brancos’. Falando me arrepio. Então tenho essa responsabilidade de produzir conhecimento fora da zona de controle da casa grande.

>> O trabalho como empregada doméstica

Mesmo com essa batalha da minha vó , fui trabalhadora doméstica desta cidade até o dia 17 de fevereiro de 1988. Cheguei aqui com quase 14 anos e até os 19, quase, estava no trabalho doméstico para sobreviver. Nós entramos numa situação de pobreza muito dramática com esse golpe que meu pai sofreu. Trabalhei na Cidade Nova, Massaranduba e o último trabalho foi no Monte Serrat , e aí já era uma relação de trabalhar realmente para a classe média. Mas sempre continuei estudando. Essa voz da minha vó nunca saiu do meu juízo. Saí dessa casa em plena sexta-feira de Carnaval. Fui procurar meu pai, que estava morando em Itinga , e deixei minhas coisas com ele. Fui para Arembepe … É que depois que deixou a Leste, meu pai foi barraqueiro das festas de largo, e eu vinha sempre ajudar ele. Todo ano depois do carnaval meu pai levava a barraca pra Arembepe . Às vezes nós não tínhamos dinheiro para voltar e aí a gente ficava um, dois meses por lá. Era o lugar mais lindo que eu conhecia, então eu fui. Cheguei lá na beira da lagoa, me sentei, foi um rito de passagem, mesmo. Na volta consegui um trabalho como apontadora de jogo do bicho e vim morar aqui num pensionato no Dois de Julho. No final do ano decidi ir pra São Paulo. Trabalhei na Xerox do Brasil, mas não deu muito certo, não tinha redes de apoio em São Paulo. Voltei e me matriculei no Colégio Central. E lá realmente foi política na veia. Me tornei presidente do grêmio, numa eleição disputadíssima. Depois fundamos o Coletivo de Mulheres Negras da Bahia. Aí fui ficando muito mais com a cabeça dentro do movimento negro, do movimento negras, do que o movimento estudantil.

>> A chegada na faculdade

Em 92 terminei o ensino médio. Fiz vestibular para letras com inglês, na Uneb de Caetité . Mas não fiz o curso porque de ganhei uma bolsa numa ONG de mulheres na Áustria e fui morar lá. Passei um ano e meio em Viena. Estudei alemão, fiz um curso focado em comunicação e gênero, participei de uma ONG com mulheres brasileiras, que foi muito importante. Em 95 voltei para a Bahia e aí fiz ciências sociais na Ufba . No final da graduação concorri a uma bolsa e fui fazer especialização junto com outras duas mulheres negras, numa experiência pioneira na universidade de HOward , nos EUA, que é uma universidade negra fundada em 1865. Imagine, o Brasil hoje ainda está brigando para ter cotas.

>> Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra

O CDCN é um órgão colegiado da Sepromi , do qual sou presidente, e é muito importante dizer que as 21 pessoas que estão lá são voluntárias. Nosso papel é recomendar e monitorar as políticas públicas de enfrentamento ao racismo que são empreendidas pelo governo. Estamos tentando levar o Conselho para o interior, no ano passado visitamos 20 cidades. Tem algumas questões que estamos discutindo, como a necessidade de mexer na questão do poder, que é extremamente branco na Bahia. Os lugares mais privilegiados estão sob o controle da branquitude . Na universidade também é assim, na indústira . Nós temos um parque industrial na Bahia quase todo ele controlado pelo Eixo Sul-Sudeste. Os ricos baianos eles são tão afetados pelo racismo que não confiam nem de entregar a administração do seu dinheiro a outros brancos baianos. Isso é muito sério. A outra questão tem a ver com terra. A Bahia tem o maior número de comunidades quilombolas do País e temos muitos problemas de titulação dessas terras, com conflitos muito sérios, como é o caso de São Francisco do Paraguaçu. Para a bancada ruralista no Congresso, é questão de honra derrotar nacionalmente a demanda pela titulação dessas terras. As duas principais lideranças , morreram , vítimas do assédio das forças de segurança e de Justiça. São 11 fazendeiros disputando 1 território quilombola. É porque tem muita coisa embaixo daquela terra, não é?

>> Ceafro

Entrei para o Ceafro em março de 2000 e estou na coordenação desde 2004. Para o ano farei 10 anos de Ceafro . Temos diversas frentes: um projeto chamado “Escola Plural - A diversidade está na sala”, no qual a gente forma as professoras para trabalhar com os conteúdos da Lei 10.639, que insituiu o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em todos os níveis de ensino. Também produzimos material didático. Tem outra linha, que é políticas públicas para a juventude negra, para fortalecer essa juventude no enfrentamento da violência institucional. E tem uma linha 3 , com políticas de ações afirmativas no ensino superior, em que nos envolvemos com os estudantes cotistas. Porque entendemos que o estudante cotista tem que voltar à sua comunidade e fazer mais 100 jovens sentirem desejo de entrar na Ufba , na Uneb , na Uesb …

>> Traços da colonização no trabalho doméstico

De 2000 até 2006 nós fizemos um trabalho com jovens empregadas domésticas. Lamentavelmente elas não são reconhecidas como uma categoria trabalhista. Se tem algo nesse País que denuncia que as regras da colonização continuam vivas na sociedade brasileira é a forma como o trabalho doméstico é tratado. E nós estamos falando de uma categoria que tem 9,5 milhões de pessoas no País. Na Bahia, são 500 mil trabalhadoras domésticas, 50 mil só na RMS . Abaixo dos 16 anos, a legislação brasileira não permite. Fizemos uma pesquisa em parceria com outras instituições, em 2002, e constatamos que havia crianças de 10 a 17 anos trabalhando. Não é possível que uma pessoa que se respeita, que cria os seus filhos, vai deixar que seus filhos assistam uma outra criança sendo submetida à humilhação, a violência simbólica, física, psicológica, muitas vezes sexual. Essa pesquisa revelou que 33% das meninas sofriam algum nível de violência. É um índice muito alto, e 47% delas havia deixado a escola. Até 2006, trabalhamos com 360 adolescentes trabalhadoras domésticas, depois não houve mais recursos. Mas desse universo, somente uma recebia um salário mínimo. E mesmo assim, essa uma não tinha carteira assinada. 70% delas recebia entre R$50 e R$100, numa realidade que o salário já estava em R$ 350. O projeto foi fundamental. Hoje muitas meninas mandam notícias pra gente, muitas conseguiram entrar na faculdade. Tem uma menina que morava na região do Jardim Cruzeiro e quando ela passou na primeira fase do vestibular da Ufba , as mulheres da rua dela se juntaram para fazer uma festa. Era a primeira vez que alguém naquela rua passava no vestibular da Ufba , mesmo na primeira fase.

>> Gravidez na adolescência

Temos que discriminalizar isso. A menina fica grávida, mas ninguém discute o menino que a engravidou, ou o homem. As meninas negras elas são tão desrespeitadas pelo Estado, pelos homens, que às vezes pra elas ter um filho é quando elas deixam de ser ninguém para ser a mãe daquela criança. Essa compreensão é muito importante ter. Para não ficar só essa conversa de medidas sócio-educativas para os meninos que estão em conflito com a lei e a criminalização da gravidez das adolescentes. Ainda tem gente que diz assim: ‘nossa, com tantos métodos anti-concepcionais hoje… ’. Essas campanhas nem tem a cara dessas meninas. Acha-se uma modelo loira! Tem uma campanha agora de amamentação que é uma cantora loira da Bahia que faz a campanha. Poxa, claro que as mulheres não se veem naquela campanha.

Câmara aprova "Hino à Negritude"; conheça a letra!

A medida - proposta pelo deputado Vicentinho (PT-SP) no Projeto de Lei 2445/07 - foi aprovada em caráter conclusivo. Já aprovado pela Comissão de Educação e Cultura, o projeto segue para análise do Senado.

Foi aprovado o parecer do relator, deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), favorável ao projeto e à emenda da Comissão de Educação que suprime a exigência de execução do hino em todas as solenidades dirigidas à raça negra.

O deputado Vicentinho explica que o objetivo do projeto é favorecer o reconhecimento da trajetória do negro na formação da sociedade brasileira. "Não temos ainda símbolos que enalteçam e registrem este sentimento de fraternidade entre as diversas etnias que compõem a base da população brasileira", afirma o autor da proposição.

Leia abaixo a letra do "Hino à Negritude", de autoria do professor Eduardo de Oliveira:


Hino à Negritude (Cântico à Africanidade Brasileira)

I
Sob o céu cor de anil das Américas
Hoje se ergue um soberbo perfil
É uma imagem de luz
Que em verdade traduz
A história do negro no Brasil
Este povo em passadas intrépidas
Entre os povos valentes se impôs
Com a fúria dos leões
Rebentando grilhões
Aos tiranos se contrapôs
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
(bis)

II
Levantado no topo dos séculos
Mil batalhas viris sustentou
Este povo imortal
Que não encontra rival
Na trilha que o amor lhe destinou
Belo e forte na tez cor de ébano
Só lutando se sente feliz
Brasileiro de escol
Luta de sol a solenidades
Para o bem de nosso país
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, heroi, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
(bis)

III
Dos Palmares os feitos históricos
São exemplos da eterna lição
Que no solo Tupi
Nos legara Zumbi
Sonhando com a libertação
Sendo filho também da Mãe-África
Arunda dos deuses da paz
No Brasil, este Axé
Que nos mantém de pé
Vem da força dos Orixás
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
(bis)

IV
Que saibamos guardar estes símbolos
De um passado de heróico labor
todos numa só voz
Bradam nossos avós
Viver é lutar com destemor
Para frente marchemos impávidos
Que a vitória nos há de sorrir
Cidadãs, cidadãos
Somos todos irmãos
Conquistando o melhor por vir
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São Galardões aos negros de altivez.

OPINIÃO 10/09/2009 : É o racismo, estúpidos!!!

O repórter Bernardo Mello Franco, de “O Globo”, escreveu que a “Câmara dos Deputados aprovou ontem uma versão esvaziada do Estatuto da Igualdade Racial”. Na mesma reportagem, o ministro Edson Santos afirmou que “o grande avanço é que ele não vai gerar conflito”. (O Globo, p. 11.)

O Dep. Luiz Alberto (PT-BA) por sua vez afirmou, em pronunciamento da tribuna da Câmara, que o texto aprovado era “o possível”. E acrescentou: “Em caráter conclusivo, a matéria vai ao Senado Federal, onde também há um acordo para imediatamente se constituir uma Comissão Especial para aprovar o Estatuto, a fim de que o Presidente Lula, ainda este ano, possa sancioná-lo e dar ao Brasil uma oportunidade de se criar uma verdadeira democracia.”

Segundo ainda a reportagem de Bernardo Franco, “o DEM elogiou as mudanças”. Quem conduziu as negociações pelos Democratas foi o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e já se pode bem avaliar a profundidade (e a realidade) da “verdadeira democracia” para a qual se abrem agora todas as oportunidades.

Johanna Nublat, repórter da “Folha de S. Paulo”, escreveu que a oposição, comandada por Lorenzoni, afirmou “ter tirado todos os pontos com os quais não concordava”. (FSP, p. C9.) Ao “Correio Braziliense”, o deputado fez declarações mais incisivas: “Tiramos qualquer tentativa de racialização do projeto”. (CB, p. 11.)

Nublat, aliás, é autora da pérola mais preciosa escrita sobre a versão do Estatuto aprovada ontem na Câmara dos Deputados: “Há também pontos mais práticos, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros.”

Quando o ponto mais prático é uma possibilidade, o leitor pode bem dimensionar o que representa a proposta aprovada para a superação das desigualdades raciais. Nem falo de racismo, porque a Comissão Especial, a rigor, nunca tratou do tema. Mas é fato que, sem falar de racismo, não alcançamos as motivações fundamentais.

Há algumas semanas, a mídia divulgou a discriminação sofrida por Januário Alves de Santana, agredido por seguranças do supermercado Carrefour numa cidade da Grande São Paulo. Todos conhecem a história do homem negro, técnico em eletrônica, que foi acusado de tentar roubar seu próprio veículo, um EcoSport. Acusado e violentamente espancado nas dependências do Carrefour.

Segundo ainda o noticiário, Januário viveu tantos constrangimentos após a compra do veículo, que decidiu se livrar dele. Creio que deveríamos fazer uma reflexão sobre como essas imposições violentas de limites têm afetado a população negra. Inclusive entidades e parlamentares.

Por causa de seus traços fisionômicos, seu fenótipo, e de um conjunto de injunções decorrentes da hierarquização do humano vigente entre nós, Januário vê-se obrigado a rever seu projeto, reduzindo suas dimensões, buscando adequar-se aos limites impostos pelo racismo.

Um modelo mais modesto de veículo talvez lhe permitisse acomodar-se aos limites rígidos preestabelecidos, seguramente é o que pensa Januário.

Segundo os seguranças do Carrefour citados na revista Carta Capital, tudo, toda a informação estava na cara de Januário. Sua cara não nega, teriam dito os seguranças. E mais: “Você deve ter pelo menos três passagens pela polícia”. Sendo assim, não admiraria que Januário, renunciando a seu projeto legítimo de possuir um EcoSport, fosse preso ou assassinado conduzindo uma bicicleta.(Carta Capital, nº 560,25/08/09 p.16.)

O fato é que os negros vivem em um mundo em que se sabe de antemão muita coisa sobre eles. Impressiona a quantidade de informação que o olhar racista pode colher em um rosto negro. Os negros são no Brasil a evidência pública de um conjunto de delitos.

Apoiado por muitos outros autores, Umberto Eco afirma que é o outro, é o seu olhar, que nos define e nos forma. E não se trata aqui, diz ele, de nenhuma propensão sentimental, mas de uma condição fundadora (ver Cinco escritos morais. Editora Record, 1997, p. 95.)

Já sabemos como somos vistos e, a partir desse olhar, como devemos nos definir e conformar nossos projetos. Seria melhor dizer como devemos amesquinhar e reduzir nossos projetos. Sonhos não realizados, esperanças frustradas reafirmando e reforçando a ideologia que previamente nos classificou a todos.

Os parlamentares negros que ontem cantaram e ergueram os punhos fechados e se abraçaram ao DEM, o ministro Edson Santos, a Seppir, a Conen, a Unegro, todos comemoravam no fundo a redução e o amesquinhamento do projeto de Estatuto. Conformaram-se ao “possível”. Confiam que na redução ainda se podem projetar ganhos eleitorais. Vão colher, seguramente, o que plantaram.


Por Edson Lopes Cardoso.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Primavera dos Museus 2009

Terceira edição terá cerca de 800 eventos em mais de 300 instituições em todo o país


O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, divulgou a programação da 3ª Primavera dos Museus - Museus e Direitos Humanos.
A agenda reúne 789 eventos, que acontecem nos dias 26 e 27 de setembro, em 324 instituições de todo o país.
Estão previstas apresentações artísticas, mostras, exposições, visitas guiadas, seminários, palestras, exibição de filmes e documentários, espetáculos e diversas outras atividades socioeducativas e culturais.
Para esta edição, o Ibram/MinC convidou os museus a organizar uma programação que refletisse o papel dos museus como espaços de valorização da diversidade cultural e do direito à memória, reconhecendo a cultura como um direito humano, expresso nos modos de vida, motivações, crenças religiosas, valores, práticas, rituais e identidades.
Confira a programação da sua cidade no endereço eletrônico www.museus.gov.br/primavera_2009.
Primavera dos Museus - A iniciativa tem como objetivo sensibilizar os museus e a comunidade para o debate sobre temas da atualidade. Desde a sua primeira edição, a Primavera dos Museus já realizou cerca de 1.500 eventos que abordaram os temas Museu, Memória e Vida, em 2007, e Museus e o Diálogo Intercultural, em 2008.
Informações: (61) 3414-6167, no Departamento de Difusão, Fomento e Economia dos Museus do Ibram/MinC.
(Sara Schuabb, Ascom Ibram/MinC)